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Entrevista: «Toda revolução social, por seu alcance, é política, contudo, nem toda revolução política é social»

10/12/2023

Entrevista concedida à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

No século 19, os países da América Latina conquistaram sua independência entre os anos de 1809 e 1829, após cerca de 400 anos de colonização espanhola.

Na época, as colônias eram tanto fornecedoras de matéria prima e mão de obra quanto consumidoras de produtos das metrópoles. As relações existentes nas colônias eram pré-capitalistas, não sendo feudais nem capitalistas.

Nas palavras de Ronald León Núñez, doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP: “O tema da colonização europeia é muito interessante porque constitui um paradoxo histórico: o empreendimento colonizador, indispensável para o posterior triunfo definitivo do capitalismo, foi concretizado por meio de relações não capitalistas de produção”.

O pesquisador defende, também, que os processos de independência latino-americana foram revoluções determinadas por movimentos anteriores, como a Revolução Francesa. As revoluções hispano-americanas foram políticas, mas não sociais, pois nasceram de um embate entre a burguesia e a coroa espanhola. O principal objetivo das independências não era a garantia de direitos aos povos das colônias – os processos foram movidos pelo desejo burguês de negociar no mercado internacional diretamente. Junto a isso, a busca pela independência teve a ajuda de líderes das elites criollas, como Simón Bolívar e José de San Martín.

Entre os anos de 1809 e 1829, os hispano-americanos conquistaram sua independência em guerras violentas. Ainda que as relações entre as classes sociais não tenham se transformado de forma significativa, a emancipação representou uma grande ruptura na história da América Hispânica.

Além disso, diversos eventos importantes surgiram desse movimento. A burguesia europeia, que foi vitoriosa em garantir sua livre negociação no mercado internacional, começava a despontar como um “projeto” da classe dominante. Ronald León Núñez explica que “não existe processo histórico linear. Como o novo sempre emerge e se entrelaça com o arcaico, em todos os casos houve elementos de continuidade. Mas este aspecto formal, embora importante, não define o processo global, não é qualitativo. O que é decisivo é que o Estado metropolitano perdeu o controle político das colônias”. Para entender mais sobre o processo de independência da América Espanhola, confira a entrevista completa:    

Serviço de Comunicação Social: Como ocorreu, em linhas gerais, o processo de colonização espanhola na América?

Ronald León Núñez: Existe uma relação indissociável entre o estudo do processo de colonização europeia das Américas e a definição do caráter das independências no século XIX.

Opino que essa questão é o ponto de partida, dado que entre ambas as caracterizações deve verificar-se coerência. Em outras palavras, para compreender os elementos essenciais das independências – se constituíram ou não um processo revolucionário, qual o impacto de suas realizações nas esferas política e social, entre outras interrogantes – é necessária uma definição da essência da empresa colonizadora europeia iniciada no final do século XV.

Nesse sentido, o principal debate continua sendo a conhecida polêmica sobre o caráter ou “sentido” da colonização e as relações de produção engendradas a partir desse fato nesta parte do mundo. Concretamente, a colonização foi um empreendimento feudal, capitalista ou nenhum dos dois?

Nas últimas décadas, certos acadêmicos diminuíram a importância dessa discussão, mas eu a considero basilar. 

Não concordo com a tese – ancorada em um raciocínio eurocêntrico e linear, que atribui a todos os povos uma sucessão automática de modos de produção – de que os colonizadores transplantaram mecanicamente o feudalismo da Europa medieval para a América, como o liberalismo e diversas correntes de esquerda, entroncadas no estalinismo, sustentam.

Tampouco coincido com a visão diametralmente oposta que propõe que a conquista europeia das Américas representou a implantação, quase automática, de um modo de produção capitalista, como alguns teóricos dependentistas, entre eles Gunder Frank, argumentaram.

A coisa é mais complicada, dado que nenhum fenômeno histórico se apresenta em estado puro nem evolui linearmente. A essência – ou o “sentido”, nas palavras de Caio Prado Jr. – da colonização foi ditada pelo processo de conformação do mercado mundial, governado pela lei implacável da acumulação primitiva de capital na Europa. A nova divisão internacional do trabalho em escala mundial atribuiu às colônias um duplo papel a partir do século XVI: fornecedoras de metais preciosos, matérias-primas e força de trabalho escravizada; e consumidoras de manufaturas produzidas pelas nações mais avançadas do norte da Europa, das quais os reinos da Espanha e Portugal – devido ao seu atraso manufatureiro e, depois, industrial – passaram a atuar como intermediários.

A produção de valores de troca em grande escala e orientada para o mercado mundial ou regional, e não a criação de feudos fechados, foi a força motriz por trás da colonização.

Nesse entendimento, opino que a posição clássica dos partidos comunistas, sob a tutela da antiga União Soviética, de que a colonização nas Américas foi essencialmente feudal, além de equivocada, causou um dano político enorme na esquerda latino-americana.

Essa visão etapista, na prática, foi uma teoria para justificar apoios ou alianças políticas com setores burgueses apresentados como progressistas, dispostos a abrir as portas para um capitalismo autenticamente nacional nos países latino-americanos, ainda caracterizados – mesmo em pleno século XX – como feudais.

Não é acertado procurar as razões do atraso econômico latino-americano num suposto passado “feudal” ou “escravista colonial”, como sustentam Gorender1 e outros teóricos, mas na incorporação do nosso continente, desde sua gênese dependente, ao longo processo de nascimento do capitalismo mundial. É equivocado confundir feudalismo com capitalismo periférico.

A argumentação anterior significa, então, que o modo capitalista de produção existia nestas terras desde o século XVI? De forma alguma. Se o “sentido” era capitalista – a pilhagem das Américas serviu para acumular capital nas metrópoles coloniais -, as relações de produção não o eram.

A produção dos gêneros primários que eram exportados se baseava no trabalho forçado, não em trabalho “livre” ou assalariado. As típicas relações coloniais de produção, como as encomiendas mitarias e yanaconas2, a escravidão negra, os pueblos ou reduções indígenas, entre outras, eram todas relações sociais pré-capitalistas. Aquilo que chamaríamos de força de trabalho “livre” era marginal e apareceria de modo mais nítido apenas no final do século XIX.

O tema da colonização europeia é muito interessante porque constitui um paradoxo histórico: o empreendimento colonizador, indispensável para o posterior triunfo definitivo do capitalismo, foi concretizado por meio de relações não capitalistas de produção. Uma contradição que apenas a lógica dialética pode explicar.

Serviço de Comunicação Social: Qual foi a natureza das independências?

Ronald León Núñez: Este é um tema muito vasto, complexo e apaixonante, mas nem sempre abordado com rigor.

Grande parte da historiografia latino-americana dedica seus melhores esforços para descrever, quase sempre em estilo biográfico, a trajetória de indivíduos considerados heróis nacionais. De mãos dadas com o nacionalismo e a escola militarista, deslumbra-se com a crônica detalhada de acontecimentos bélicos. Neste ambiente intelectual, as tentativas de explicar estruturalmente o processo histórico continental a partir de uma perspectiva socioeconômica, colocando-o em seu contexto internacional – sem necessariamente subestimar o papel de certos indivíduos ou eventos-chave – podem ser contadas nos dedos da mão.

Por esta razão, abordar a natureza do processo que resultou nas independências americanas é essencial para uma compreensão política justa do presente. Ressalto este último elemento porque acredito que o labor historiográfico está sempre relacionado à visão de mundo e às preferências programáticas do/a pesquisador/a.

Nesse sentido, destaco algumas interrogantes fundamentais: foram revoluções ou prevaleceram as continuidades com o antigo sistema colonial? Se aceitamos qualificá-las como revoluções, foram sociais ou políticas? A qual das classes ou setores de classe coube o protagonismo histórico? Houve participação efetiva das classes exploradas? O que mudou na vida dos indígenas reduzidos, dos negros escravizados ou “livres”, dos jornaleiros3 ou pequenos camponeses pobres com o fim da Colônia? Em resumo: a nova ordem foi progressista ou reacionária?

Proporei algumas reflexões aqui, assumindo o risco de incorrer em um certo esquematismo.

Estou entre aqueles que defendem que foram revoluções. Entretanto, seu caráter é determinado pelo período histórico – a era das revoluções democrático-burguesas, inaugurada pela Revolução Francesa de 17894 ou, se for preferível, pela Revolução de Independência das treze colônias britânicas que deram origem aos Estados Unidos entre 1775 e 1783 -, um contexto internacional que estabeleceu as premissas materiais, as tarefas essenciais e as limitações do processo em ambos os lados do Atlântico. Naturalmente, o alcance da materialização dessas tarefas gerais diferiu de país para país e de região para região.

No caso das Américas, o processo de crise e desintegração do sistema colonial europeu foi duplo: por um lado, significou uma luta continental para emancipar as colônias das metrópoles; por outro, uma luta paralela e não menos violenta para formar os novos Estados-nação independentes.

Nesse processo, em especial na América hispânica, houve uma participação ativa de setores populares, sobretudo no alistamento nos exércitos patriotas5. Entre 1809 e 1829, os hispano-americanos travaram uma guerra com altíssimos custos humanos e materiais contra o Império espanhol, que enviou sucessivas expedições militares para “reconquistar” suas colônias.

Nesse contexto, o caso do Brasil é distinto dos demais países latino-americanos, não por ter sido “pacífico”, posto que houve enfrentamentos armados entre brasileiros e portugueses entre 1822 e 1824 – embora em escala muito inferior às guerras de independência que atravessaram o restante do continente. A violência foi expressa, ademais, na implacável repressão, por parte do Rio de Janeiro, a qualquer outro projeto de independência, principalmente aqueles de natureza republicana, como a Revolução Pernambucana (1817), a Confederação do Equador (1824) e a Revolução Farroupilha (1835-1845). A diferença entre o Brasil e as nações hispânicas está em que, apesar de todos os problemas e limitações, nas segundas emergiram regimes republicanos, enquanto, na antiga colônia portuguesa, a independência foi concretizada por meio de uma transferência do poder entre membros da mesma casa real de ambos os lados do Atlântico. Foi um acordo entre pai e filho. Tal fato imprimiu uma dinâmica extremamente conservadora ao processo, refletindo-se não apenas no terreno político (com uma monarquia hereditária) mas também no socioeconômico, dado que, entre outras questões, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão negra.

Se estamos de acordo em que as independências foram revoluções, fica a pergunta: de que tipo?

Dado que, como argumentamos, na América não houve feudalismo em sentido estrito, não é correto dizer que o processo de independência da América Latina foi um ciclo de revoluções sociais – ou seja, de revoluções burguesas antifeudais.

É evidente que houve mudanças sociais mais ou menos tardias. Entretanto, em essência, tratou-se de uma sequência de revoluções políticas6. Ou seja, foram, essencialmente, revoluções burguesas anticoloniais. A essência do conflito está no enfrentamento militar entre a embrionária burguesia nativa, que já era proprietária de importantes meios de produção, e a Coroa espanhola. Isto aconteceu, diga-se de passagem, após muitas vacilações e somente quando as classes proprietárias locais perceberam que Madri não negociaria nenhuma concessão de autonomia real.

O objetivo dos chamados pais das nações americanas – que, insistimos, no começo do século XIX constituíam uma facção da classe dominante – com esta cruzada de emancipação nunca foi o bem-estar da plebe, mas se livrar da intermediação colonial para negociar diretamente no mercado internacional, principalmente com o florescente Império britânico.

As independências não foram revoluções sociais porque as facções mais fortes das burguesias nativas nunca pretenderam mudar as relações de produção existentes, ou estender os direitos democráticos aos oprimidos, e sim tirar o controle das instituições políticas e militares dos espanhóis. No linguajar marxista, não queriam uma mudança na estrutura social, mas uma mudança superestrutural.

No terreno estrutural – provavelmente com a única exceção do caso do Haiti e a breve experiência da rebelião social que desencadeou o Grito de Dolores, no atual México, em 1810 -, as independências não mudaram substancialmente as relações de produção entre as classes sociais. As relações pré-capitalistas e capitalistas de produção continuaram a coexistir e se combinar de forma desigual, como no período colonial. A posição das nações latino-americanas no sistema mundial de Estados e na divisão internacional do trabalho também não mudou – basicamente, elas continuaram a ser fornecedoras de produtos primários e consumidoras de manufaturas.

As revoluções de independência nas Américas foram uma expressão de uma época em que a burguesia estava disposta a destruir qualquer obstáculo ao desenvolvimento do modo de produção capitalista. Esta tarefa, nos séculos XVIII e XIX, significava um progresso econômico e, em certa medida, democrático. Mas entre todas as liberdades individuais e direitos políticos que o jovem liberalismo proclamou, o que realmente importava era a sacrossanta “livre iniciativa”, fundada sobre o “direito natural” à propriedade privada.

É por isso que nenhuma revolução burguesa, nem mesmo a mais radical, resolveu todas as exigências de democratização emanadas das distintas sociedades. E não poderiam tê-lo feito, pois eram revoluções a serviço da imposição do domínio de uma nova classe exploradora.

Serviço de Comunicação Social: Predominaram as rupturas ou as continuidades com o antigo sistema colonial?

Ronald León Núñez: Há autores que, olhando para a Revolução Francesa e os casos europeus, negam que as revoluções independentistas do século XIX constituam revoluções democrático-burguesas.

Dizem, por exemplo, que não havia uma burguesia nativa – uma premissa equivocada. Havia um setor nativo que possuía terras, gado, minas, pessoas escravizadas e encomiendas, ou se dedicava a uma parte do comércio e da usura. Durante o período colonial, alguns empresários nascidos na América possuíam não apenas uma influência e negócios em escala local, mas regional. No geral, essas famílias conviviam muito bem com os burocratas enviados pelas metrópoles; criollos ricos e peninsulares uniam-se por meio de diversos vínculos comerciais e até de parentesco.

Obviamente, não havia um setor capitalista industrial ou uma burguesia com as características observadas nos séculos XX ou XXI. Era uma facção ainda embrionária da classe dominante. O que tal facção local não possuía – e este problema foi resolvido pela força das armas, após muita indecisão – era o controle do aparato estatal, ou seja, a gestão do comércio exterior, do sistema tributário e, é evidente, das forças armadas.

Se a principal missão de toda revolução democrático-burguesa é remover quaisquer obstáculos ao florescimento do capitalismo nacional, nas colônias isso significava que a principal tarefa para o pleno desenvolvimento de uma burguesia nacional e de um mercado interno era liquidar a relação colonial. Em termos marxistas, a autodeterminação nacional era uma condição prévia para o desenvolvimento das forças produtivas locais.

Portanto, foram revoluções burguesas. Elas não seguiram, e nem poderiam seguir, o padrão das revoluções liberais “clássicas” das nações europeias: estas eram metrópoles, e as Américas eram colônias. O caso das Américas apresentou uma variante: revoluções democrático-burguesas anticoloniais.

Nas condições de uma colônia, se é verdade que os mais beneficiados pela independência foram os latifundiários nativos, também é correto afirmar que o fim do domínio metropolitano permitiu uma conquista mais ampla: a emancipação das nações oprimidas, como um todo, do domínio estrangeiro. Isto, sem dúvida, foi um fato progressivo para os povos americanos.

Naturalmente, cada classe ou setor de classe entrou nesta luta nacional com interesses sociais contrapostos. Os interesses da grande burguesia nativa não podiam ser conciliados com os interesses dos chamados setores populares. Este foi o pano de fundo para as divisões de classe dentro das “forças patrióticas”, embora, em vários momentos, houvesse amplas frentes policlassistas contra o colonizador.

Alguns negam, por outro lado, que estas foram revoluções porque, com os europeus expulsos do poder, prevaleceram elementos de continuidade com o período colonial. Isto demonstra uma incompreensão da essência do processo: não há revoluções “puras”. A transição de um Estado colonial para Estados burgueses nacionais não significa que nenhum remanescente legal ou institucional da antiga ordem espanhola tenha subsistido nesses novos Estados independentes. Nos Estados Unidos, a escravidão negra sobreviveu à gesta emancipadora consagrada em 1776. Na Argentina, a escravatura foi abolida formalmente apenas em 1853.  No Paraguai e em outras antigas províncias sob domínio espanhol, por exemplo, a escravidão de africanos, as reduções dos povos indígenas ou o corpo normativo de Las Siete Partidas7 permaneceram vigentes por décadas após a ruptura com a Espanha.

Não existe processo histórico linear. Como o novo sempre emerge e se entrelaça com o arcaico, em todos os casos houve elementos de continuidade. Mas este aspecto formal, embora importante, não define o processo global, não é qualitativo. O que é decisivo é que o Estado metropolitano perdeu o controle político das colônias8.

A negação das revoluções do passado tem como objetivo político, na atualidade, fortalecer a ideia de que qualquer mudança radical é prejudicial. A verdade é que a burguesia, assim que conseguiu se consolidar como classe dominante, passou a temer sua própria época dourada, suas próprias revoluções. Sua covardia é proporcional ao poder que concentra. Mas isso não impugna o caráter revolucionário da emancipação americana.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram as repercussões desses processos após a independência e, inclusive, atualmente?

Ronald León Núñez: A principal realização das revoluções anticoloniais no século XIX consistiu em que as nações americanas se tornaram politicamente autodeterminadas. Isto é um fato de enorme magnitude, que não pode ser menosprezado.

De colônias, elas tornaram-se – não sem crise – Estados burgueses nacionais “em formação”. Isto representou um progresso imenso, um primeiro passo para muitas conquistas posteriores, mesmo que formais.

Esta mudança política abriu o caminho para transformações econômicas que ocorreram, mais ou menos tardiamente, em cada antigo território colonial.

Considerar o marcado descompasso entre as mudanças políticas (independências nacionais) e as mudanças econômico-sociais é muito importante, mas não deve servir para impugnar a principal transformação do século XIX neste continente: deixamos de ser colônias. 

É preciso, nesse sentido, compreender que enquanto toda revolução social, por seu alcance, é “política”, nem toda revolução política é social. Assimilando essa totalidade contraditória, estaremos em melhores condições para estudar e as particularidades de cada caso.

No século XXI, a soberania dos nossos países encontra-se ameaçada. A ingerência de Estados mais poderosos, por meio da penetração de seus capitais, do aumento das dívidas externas, do controle do sistema financeiro, da tecnologia e, acima de tudo, pelo poderio militar, coloca o debate sobre as relações desiguais entre os países com muita força. Com mais razão quando o avanço do imperialismo sobre os países semicoloniais ou coloniais ocorre em parceria com as burguesias e governos locais. 

Pensar na perspectiva de uma “segunda independência” implica um estudo sério dos processos ocorridos no século XIX, com o intuito de extrair lições históricas. Uma delas, quiçá a mais importante, é que um novo processo de libertação continental deverá significar, no mesmo ato, a libertação social. Para isso, diferentemente do século XIX, o sujeito social desse novo ciclo revolucionário deverá ser a classe trabalhadora das cidades e do campo, não as classes proprietárias.

Notas:

1Gorender, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1980.

2Existiam dois tipos de encomiendas vigentes na Província do Paraguai: a encomienda mitaria e a encomienda originaria (yanacona). Na primeira, os homens com idade entre 18 e 49 anos eram obrigados a pagar seu tributo ao encomendero trabalhando, teoricamente, durante sessenta dias por ano. Na encomienda yanacona, os indígenas e suas famílias viviam diretamente com o encomendero, em condições similares à escravidão.

3Jornaleiros: semiproletários que se ocupavam como trabalhadores agrícolas ou na extração de erva-mate, mas no geral mantinham uma parcela de terra.

4A Revolução Francesa infligiu um golpe mortal tanto sobre o império colonial francês, com consequências imediatas no Haiti – a primeira revolução negra triunfante e o mais radical processo anticolonial -, como, por meio da invasão napoleônica de 1808 – que destituiu os Bourbons e iniciou um processo irreversível de crise em suas possessões americanas -, sobre o colonialismo espanhol.

5Cerca de um terço do exército que cruzou a Cordilheira dos Andes em janeiro de 1817, sob o comando do General José de San Martín, foram afrodescendentes.

6Na época das revoluções burguesas, a revolução política se traduz na luta pelo poder do Estado – sendo este um traço comum às revoluções econômico-sociais -, porém não entre classes antagônicas, mas sim entre facções da classe proprietária e dominante. As revoluções de 1830 e 1848 na Europa são frequentemente mencionadas como revoluções políticas.

7Las Siete Partidas é um corpo normativo, redigido em Castela durante o reinado de Alfonso X (1252-1284), para impor a uniformidade jurídica ao Reino. É uma das obras jurídicas mais importantes da Idade Média. Vigorou desigualmente na América Hispânica até anos avançados do século XIX.

8LEÓN NÚÑEZ, Ronald. Entre lo nuevo y lo viejo: Reflexiones acerca del carácter de la independencia paraguaya en el contexto latinoamericano (1811-1840). Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, [S. l.], v. 74, p. 67–94, 2022. DOI: 10.23925/2176-2767.2022v74p67-94. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/57662. Acesso em: 16 jun. 2023.

Publicada originalmente no Portal da FFLCH-USP